O primeiro fenômeno social com o nome Summer of Love aconteceu no verão de 1967 em vários países do hemisfério norte. Foi um movimento em oposição a guerra do Vietnã, e ao mesmo tempo, uma celebração da contra cultura européia e americana, um prenúncio do que viria a ser o ano de 1968.
O segundo verão do amor, que é o assunto de hoje, está relacionado a outro fenômeno social importante que aconteceu na Inglaterra, em 1988. Mais uma vez as conexões aconteceram e tudo se espalhou.
Em 1986, Nancy Turner (mais tarde DJ Nancy Noise) passou o verão inteiro em Ibiza. Em junho, ela descobriu o Amnesia, o lugar mais underground da ilha, e ficou tão obcecada com a música que seus DJs residentes, Alfredo e Leo Mas, tocavam, que decidiu voltar em 1987 para experimentar tudo isso de novo. Em 1987 ela se encontra com o que posteriormente ficou conhecido como: o “Ibiza Four” que foram 4 britânicos que fizeram uma viagem no verão de 1987 para a ilha de Ibiza, comemorar o aniversário de um deles. Eram Paul Oakenfold, Johnny Walker, Danny Rampling e Nicky Holloway, e o aniversário era de Paul. Se em Detroit no início existiu o The Belleville Three com Juan Atkins, Derrick May e Kevin Saunderson, na Inglaterra existiu o “Ibiza Four”. Nancy era amiga de Paul e ambos ficaram impressionados com a atmosfera do club, com a música, as pessoas, a liberdade, com tudo. Paul tocava em seu quarto desde o fim dos anos 70, e com 18 anos, em 1981, ele se muda para Nova York. Na América ele frequenta vários lugares importantes, inclusive o Studio 54 e pega o momento que o hiphop passa a Dance Music como o ritmo mais popular naquele momento na America.
De volta a Inglaterra ele começa a trabalhar em uma gravadora e logo lança por esse selo o disco do D.J. Jazzy Jeff & Fresh Prince – Girls Ain’t Nothing But Trouble, onde faz, inclusive, um remix. Ele, pouco tempo depois, tornou-se o agente britânico dos Beastie Boys e Run-DMC.
Diz a história que ele tentou algumas vezes introduzir o Acid House em londres, mas antes de 1987 o estilo ainda não era muito aceito. Marshall Jefferson, figura ícone do House de Chicago, em entrevista, uma vez disse que foi tocar em Londres em 1987 e tinha sido ok, mas quando foi tocar novamente em 1988 tudo estava diferente. As pessoas estavam alucinadas com blusas com o Smile, falando em Acid House como nunca.
No verão de 1987 o Ibiza Four estava festejando no Amnesia, e descobriram, principalmente, o DJ Alfredo Fiorito, conhecido como o “Father of the Balearic beat”. Alfredo, um argentino radicado na Espanha, tinha um estilo variado e foi um dos responsáveis pela explosão da Dance Music em Ibiza.
Alfredo vivia esse momento transitório do surgimento de uma nova Dance Music. Tocava as misturas que os Dj dessa época faziam, com Soul, Funk, Jazz, mas dedicava parte de seus sets a tocar o novo som que vinha dos Estados Unidos, a House Music. Foi lá, nesse verão de 1987, que os 4 sentiram a força que pode sair de uma pista de dança, a energia contagiante, a catarse coletiva.
De volta a Londres Danny Rampling vira o primeiro catalisador. Em um porão em Southwark ela começa a festa Shoom para 300 pessoas, que em poucos meses deixavam milhares esperando para entrar. Lá as portas da Acid House, um subgênero do House de Chicago, se abriram e a Dance Music ganhou mais força.
Nicky Holloway já trabalhava com festas e noite desde 1984, trabalhou ao lado de nomes como Pete Tong and Gilles Peterson e, depois que voltou da viagem para Ibiza, abriu o The Trip no fim de maio de 1988. O The Trip, como foi um dos primeiros lugares que tinham seu funcionamento legalizado pelas autoridades, mas logo depois teve que mudar seu nome para Sin.
Tudo o que aconteceu posteriormente ao verão do amor, como o nascimento da cultura Rave, as novas sensações, a explosão cultural, as tie-dye T-shirts e o próprio desmantelamento da cena depois dessa ascensão meteórica em toda a Inglaterra, que veio com uma legislação pesada que não permitiria o encontro de mais de 10 pessoas ouvido música repetitiva, o Criminal Justice and Public Order Act de 1994. Essa legislação não veio do nada, veio do que aconteceu com o país depois de 1988. Iremos ter um capítulo a parte com essa lei que visou a criminalização da música eletrônica na Inglaterra no ano de 1994.
1988 foi o ano que a Inglaterra se apropriou culturalmente de uma cena nascida do outro lado do atlântico. Essa é uma prova concreta de que cenas e subculturas podem criar e gerar ramificações incríveis. Desde o primeiro episódio dessa série, eu tento mostrar isso.
Outro nome marcante no verão de 88 foi Terry Farley. Farley, era do grupo de jovens clubbers que em 1987 criaram um fanzine chamado Boy’s Own. Esse grupo era formado por: Terry Farley, Andrew Weatherall, Cymon Eckel, Pete Heller e Steven Hall (que era amigo do Paul Oakenfold e formou essa conexão), figuras importantes que merecerão sempre destaque. Andrew Weatherall, um gênio que faleceu esse ano (RIP), Pete Heller, que formou o Fire Island com Farley, e mantinham o projeto Heller & Farley.
Do fanzine Boy’s Own e depois para o selo Junior Boy’s Own. Selo importante que lançou nomes como Underworld, X-press 2, Black Science Orchestra, Andrew Weatherall, e claro, The Chemical Brothers.
Um aspecto importante no contexto desse cenário que certamente possibilitou toda essa transformação de valores e costumes foi o político. Margaret Thatcher foi Primeira Dama de 1979 a 1990 e com diversos problemas a desesperança cresceu muito, e toda a cena Acid House parecia uma resposta a aquilo tudo. Nos clubs era possível ver Hooligans se abraçando, celebridades dançando com jovens da classe operária, foi certamente um momento transformador. Foi depois de 1988, e por conta de 1988, que a música deixou de ser uma exclusividade dos Clubs, e pode desbravar novas fronteiras com as Raves.
O verão do amor não mudou somente como e onde dançamos, ele alterou nossa forma de nos relacionarmos, nossas interações, e como vemos o mundo. Foi quando a fumaça da máquina na pista de dança abaixou que eles perceberam que não estavam mais sozinhos, perceberam que tinham agora coletivos gigantes de pessoas felizes e sorridentes. Claro que os governantes, os políticos e os pubs legalizados sentiram o que estava vindo, e iniciaram um processo de mudanças de legislação para tentar conter esse fenômeno, mas quem segura uma revolução?
A Inglaterra e o Reino Unido estavam tomados e o mesmo padrão se repetia, cidade por cidade. Em Liverpool, Andy Carroll e Mike Knowler; Graeme Park e DJ Jonathan in Nottingham; Nightmares On Wax em Leeds; Parrot e Winston em Sheffield e Slam e Harri na Escócia, e Londres ainda com Colin Faver, Kid Batchelor, Jazzy M, Eddie Richards, the Watson brothers, Mark Moore.
Em Manchester, o DJ residente na noite de sexta-feira no The Haçienda, Mike Pickering, tocava house desde os primeiros lançamentos do selo Trax em 1985. Em 1988, ele transformou a noite em uma das mais fortes da cidade. Mais um capítulo que será contado mais para frente, pois é em Manchester que um certo Dj inicia sua carreira como DJ Pedro, era Laurent Garnier, criando outra ramificação futura.
Ai, Gui, muito legal isso, de vc mostrar esse outro lado da música, parabéns irmão pela atitude.
Valeu demais meu querido!
Nossa Gui, achei sensacional como você recontou uma história já conhecida com detalhes e narrativa diferentes. O fatos Nancy Noise eu nunca tinha ouvido falar, sensacional!
Que maravilha meu querido! Tou armando muitas histórias ainda, feliz de te ver por aqui!